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O médico de 64 anos que atuava na saúde pública de Joinville foi condenado a 12 anos e cinco meses de prisão em regime fechado por estupro a uma paciente no posto de saúde em que atuava, no bairro Iririú. O caso aconteceu em agosto de 2021 e o idoso está preso preventivamente desde outubro. A mulher relatou que o profissional se aproveitou de seu estado de vulnerabilidade e a ameaçou para cometer os abusos sexuais. A Justiça, portanto, entendeu a situação como danos morais e também exigiu uma indenização de R$ 25 mil à vítima.
A setença ainda não transitou em julgado e, por isso, ainda cabe recurso. O AN entrou em contato com a defesa de Antônio Teobaldo Magalhães, que informou que irá recorrer da decisão, já que, segundo os advogados, os laudos periciais que foram coletados não comprovam o crime.
— Afirmamos que o Teobaldo é inocente e vamos provar — alega a defesa.
Conforme a delegada Cláudia Gonzaga, titular da Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (Dpcami) de Joinville, ainda há três inquéritos em andamento contra o médico, que estão sendo finalizados. Portanto, a pena pode ser ainda maior.
Além da rede pública, onde atuava como clínico geral, Teobaldo também trabalhava em um hospital particular da cidade.
Em entrevista exclusiva ao AN em outubro do ano passado, Rosi*, responsável pela denúncia, contou que buscou o médico após ser diagnosticada com síndrome de burnout (distúrbio psíquico causado pela exaustão extrema relacionado ao trabalho).
A professora, que trabalhou por 12 anos na rede privada de ensino, começou a ter sintomas da doença após passar a atuar na rede pública.
— Em maio e junho, começou a dar um frio que doía e as crianças iam de bermuda porque não tinham roupa. Aí eu comecei a virar a noite arrecadando roupa, comida, gás… Como não tenho carro, levava [as arrecadações] a pé ou dava jeito de levar de Uber. Aí eu fui adquirindo a síndrome. As pessoas me alertavam, mas eu via que estava dando conta do trabalho e da minha filha e pensava “está tudo bem”. Mas não estava —relatou, à época.
Rosi já vinha sendo tratada antetiormente por um psiquiatra por conta que questões vivenciadas anteriormente, mas como o profissional estava a em home office por causa da pandemia, ela decidiu buscar atendimento público, onde foi encaminhada com uma guia de urgência para atendimento com um especialista na unidade básica do Iririú.
Ela relatou como foi o dia da consulta.
— Ele [Teobaldo] me chamou e falou pra alguém no corredor: “fala pra ninguém interromper, porque ela não está bem”. Quando entrei no consultório, já achei estranho porque ele tinha uma cadeira em frente sua mesa e uma outra do lado dele. Fiquei pensando que no meu psiquiatra não era assim. Mas sentei na cadeira à frente da mesa. Aí eu ouvi o “clack” da porta, que era daquelas maçanetas redondas. Percebi que ele a trancou. Eu até levantei os ombros do susto e me veio à cabeça de novo: “meu médico não tranca a porta”. Em seguida, ele disse “você senta aqui”, apontando para o lado dele — narrou Rosi. Ela lembra que a frase foi dita com um tom de voz rude, e ela acabou mudando de lugar.
Já sentada ao seu lado, ela contou que o médico começou a perguntar sobre sua vida pessoal, inclusive se a mulher estava solteira. Rosi contou sobre o que a levou a ser diagnosticada com burnout e, após ser questionada pelo profissional, acabou também tocando em outros episódios traumáticos que já havia vivenciado. Foi aí que, segundo ela, o médico se aproveitou de sua vulnerabilidade.
— Até que ele levantou e falou assim: “eu sei o que você precisa, de alguém que cuide de você e eu vou cuidar de você”. E eu gritei pra dentro nesta hora, e congelei. Eu não conseguia falar, chorava pra dentro.
Foi neste momento que, segundo Rosi, o médico teria tirado sua máscara, aberto o cinto da própria calça e iniciado o abuso. Ela afirma que o ato durou cerca de 40 minutos. Depois, ele voltou a sentar-se na cadeira, “como se nada tivesse acontecido”, diz, e receitou três medicamentos, um deles com propriedades de inibição leve das funções do sistema nervoso central e que pode ter efeito sedativo.
Ao todo, Rosi acredita ter ficado cerca de duas horas dentro da sala com o médico. Depois do ocorrido, segundo a mulher, o médico passou a ameçá-la.
*Por orientação da defesa da mulher, a reportagem decidiu por ocultar seu nome verdadeiro e utilizar um nome fictício. Confira o relato completo aqui.
O relato de Rosi, inclusive, consta na sentença do Tribunal de Justiça. A psicóloga que atendeu a mulher após ter sofrido a violência sexual confirmou o relato de Rosi. Uma diretora técnica de saúde à época disse que ser frequente receber reclamações relacionadas a Teobaldo, principalmente de cunho comportamental, “condutas médicas inadequadas ou que os pacientes contestavam”, declarou a mulher.
Teobaldo era contratado pelo município como médico da família e, portanto, deveria exercer apenas esta função. No entanto, a ex-diretora técnica cita que havia também várias reclamações de que ele se passava por terapeuta, “propunha terapias alternativas das quais não tinha titulação pra fazer”.
Outra servidora pública ainda disse ouvir queixas relacionadas à alimentação e dieta que o médico passava para os pacientes.
Já uma colega de trabalho de Teobaldo disse que não tinha conhecimento sobre os fatos, pois não conhece a vítima. Também afirmou que nunca viu o médico maltratando pacientes, pois era “uma pessoa respeitável e amável”.
Outro servidor público destacou conhecer o médico há pelo menos quatro anos e, pela função que exercia, estava sempre presente nas estruturas públicas de saúde. Ele pontuou que Teobaldo “tem uma forma de orientar ao paciente uma boa alimentação, uma dieta rígida e às vezes ele é bem incisivo” e que, vez ou outra, alguns pacientes se negaram a ser atendidos por ele por conta disso. “No entanto, demandas de outro tipo não vinham”, relatou.
Assim que Teobaldo foi preso, por meio de nota, a Prefeitura de Joinville informou estar acompanhando o caso desde o início da investigação, e que o médico em questão foi exonerado do cargo no dia 13 de agosto.
Nos autos também consta que o município entregou ao Ministério Público cinco processos administrativos e 35 reclamações realizadas contra o acusado, “muitas delas no mesmo contexto do relato da vítima — dieta desproporcional, perguntas invasivas acerca de relacionamento amorosos, utilizando a questão de vidas passadas ou assédio pelo WhatsApp”, cita o dicumento.
Teobaldo também é investigado no estado da Bahia suspeito de estuprar uma criança em 2010. O crime, segundo a vítima, também teria ocorrido em uma unidade de saúde do município onde vivia com a mãe e a irmã. Este caso, que segue em segredo de justiça, no entanto, não está sendo acompanhado pelos atuais advogados.